Tudo começou com um "briefing" que foi entregue à área de Marketing da MMP pela presidente da "holding", a própria Marisa Monte, sobre um dos novos projetos que deveriam acontecer ao longo de 2005. Transcrevendo palavras da própria Marisa, cito uma frase que revela-se seminal no entendimento da questão: "O produto deve agradar a gregos, troianos, sérvios e montenegros - aliás, principalmente os Monte e os negros - visando consolidar a minha posição de diva da música brasileira e pavimentar o meu trajeto ao mercado externo de modo triunfal".
A área de Marketing teve bastante trabalho para desenvolver o produto a partir do "briefing" da presidente. Foram muitas noites em claro envolvendo análises de dados de vendas de CDs/DVDs, pesquisas exaustivas com consumidores, reuniões com agências de propaganda e publicidade para finalmente chegar ao produto que catapultaria Marisa ao estrelato mundial.
A descrição do produto que foi entregue à área de Pesquisa e Desenvolvimento da MMP foi a seguinte: "Um disco contido somente com sambas de raiz, porém com caules emblemáticos e icônicos visando dar sustentação, além de folhas de aromas solenes e nobres, entretanto acompanhadas de frutos modernos modificados geneticamente trazendo sabores inusitados e refrescantes".
O chefe do laboratório de P&D, Sr. Dexter, coordenou a alquimia que levaria ao produto final. Muito aplicado, conhecia Marisa há muito tempo e sabia de antemão que o produto deveria trazer ingredientes riquíssimos, porém nunca deixando de ter várias notas de dejá-vu - e essa é a maior das tônicas dos produtos da MMP - visando cativar o consumidor a partir de um estágio posterior na identificação das referências do produto, onde a etapa da estranheza - natural em todas as novidades genuínas - é postergada em prol da acelerada massificação dos produtos.
Nasce então, "Universo Ao Meu Redor". Revelada a receita, é fácil entender como foi fabricado o produto e verificar que trata-se de um embuste, ainda que pretensamente camuflado com elementos pretensamente inovadores e criativos. A primeira matéria-prima a entrar no processo foi o ícone da brasilidade reconhecidamente vencedor no mercado externo, Carmem Miranda. Retiram-se os balangandãs, a voz de taquara rachada, a babação de ovo desmedida dos "states", a coreografia de pornochanchada. O Bando da Lua, a banda de apoio de também dança. Será substituído pelo primeiro ingrediente pretensamente moderno e quase homônimo, o DJ Marcelinho Da Lua. "Os ravers vão adorar quando colocarmos uma batida de funk no samba", dizia Dexter, continuando a relatar o processo, eufórico: "Precisávamos de mais novidades, aí pensei: que tal colocarmos pitadas de instrumentos inusitados ao samba como tubas, cellos e theremins? Vai ficar muito chique e o Zeca nunca teria pensado nisso!".
Uma pitada de descuido da segurança da MMP fez com que a irmã mais nova do Sr. Dexter, Didi, fosse ao laboratório - como era de costume - e começasse a mexer de maneira errática nos equipamentos até que fosse interpelada por um dos funcionários do laboratório. Coincidência ou não, após este fato, a matriz do novo álbum de Marisa foi totalmente alterada, como se tivesse sido infectada por algum vírus que alterasse completamente todas as camadas sonoras, criando um produto novo e inusitado.
Por coincidência, ao visitar a MMP para escrever uma resenha sobre o making-of do disco, pude ouvir algumas das faixas "alteradas" e fiquei extasiado. O que foi gerado por obra do acaso (verdadeiro e não manipulado) parecia diferente, inquietante, contundente, angustiado, melancólico, fatalítico, confrontador, porém nada disso poderia ser esperado de Marisa. Ela entrou em pânico quando viu parte de suas criações mutiladas e mesmo que seu susto não tivesse sido fatal devido ao fato de que a área de TI da MMP tinha disponível o back-up das gravações originais, ordenou que Dexter destruísse as matrizes infectadas pelo vírus.
Enfim, a versão "virótica" provavelmente nunca será de domínio público e é uma pena que sejamos privados de conhecer a Marisa Errática, mas aqui cabe fazer uma analogia, e o som mais próximo que poderemos reproduzir para retratar, ainda que em pequenas nuances, aquela obra do fim do mundo é o samba-caos "Redenção", do Vzyadoq Moe, banda sorocabana do final da década de 80 que misturou Jackson do Pandeiro com Clarice Lispector, passando pelo Joy Division e pelo Dadaísmo.Os responsáveis pelo desenvolvimento do vírus que infectou o Pro Tools da MMP até agora não foram descobertos. Que não sejam jamais e consigam inocular o mais rápido possível a Zélia Duncan e a Ana Carolina!