quinta-feira, abril 06, 2000

Morrissey no Brasil !!!!!

Euforia? Ansiedade? Entusiasmo? Angústia? Tudo junto. Ou separado, como diria um amigo meu (afinal, por que separado é tudo junto e tudo junto é separado?).


Lembro-me como fosse ontem, no auge dos meus 13 anos, ouvia falar bastante do Smiths, tido como a sensação européia e era inevitável que eu acabasse correndo atrás de alguma maneira de ouvi-los. Rádio? Ainda não... Sim! Um flexidisc com Still Ill encartado numa edição da Bizz no verão de 86 foi a deixa. Eu confesso que ainda não estava preparado. Queria gostar, mas não conseguia. A raiva contida nos versos "Ask me why and I'll spit in you eye" era demais pra mim naquele momento. Eu só iria ouvir Sex Pistols uns seis meses depois, talvez a explicação venha daí.

Mas não me dei por vencido. O primeiro lançamento nos Smiths no Brasil (quase real time!) foi "Meat is murder", um disco sem "hits" fáceis, e por isso mesmo difícil de entender, mas ao decifrá-lo, um punhado de deliciosas surpresas. Mais uma vez, a memória bem fresca: ainda neste mesmo verão de 86, numa das incursões familiares pelo supermercado, vi o famigerado vinil. Bate pé daqui, dali, "tá bom, meu filho, pode levar". Outra paulada na moleira. Encostei o disco por uns meses.

Natal de 86. Auge do Plano Cruzado. Presente de Natal? Vinil, como não? Entre um dos "repetidos", a chance de obter o famigerado "The queen is dead". Sim, agora já tinhamos "hits", inclusive na rádio. Pronto. Eu já estava contaminado pela angústia smithiana. O resto é história. Grande parte da discografia ainda está por aqui entre vinis, K7s e CDs e mp3. Poderia ficar dias aqui citando frases do monstro literário Stephen Patrick Morrissey, e tentar decifrar a sua indecifrável verve, mas vou deixar para fazê-lo lentamente, ao longo da semana...

Se eu estou feliz? Uma espera de 14 anos não podia ser melhor! Certamente depois disso tudo estamos mais maduros, eu e Morrissey. Ainda que as músicas do Smiths na turnê não tenham sido as "Crace A" (como diria João Gordo), o roteiro do show foi simplesmente magnífico. E Smiths é Smiths. Extremamente simpático (à sua maneira inglesa, é claro!), puxando papo com a platéia e zombando, dizendo que ele nunca tinha vindo antes pra cá porque nós não tínhamos convidado!!! Agradeceu várias vezes pela nossa espera, que valeu a pena, sem dúvida nenhuma! Brincou com a fã que o segue pelas turnês no mundo, Julia Riley (este deve ser o seu show número 160), jogou camisas suadas na platéia e perguntou que músicas queríamos ouvir (ainda que o set list do show fosse completamente imutável). A metada da platéia que foi ouvir "Smiths" gritou em coro: "Bigmouth"! Ele só riu. Aliás, depois de "Half a person", "Meat is murder" e "Is it really so strange?" ainda tinha gente pedindo pra tocar Smiths!!! Será que eles perceberam que já tinha rolado Smiths... Pra quem há 10 anos atrás nem cogitava a possibilidade de tocar umazinha... tá bom demais. Depois, pediram a magnífica "Sing your life", do Kill Uncle (91). Ele então titubeou, riu e ensaiou um começo... mas não lembrava da letra! Mas a "palhinha" já foi bastante... "Sing your life, any fool can think up words that rhyme".

Sonho? Sim, mais um grande sonho realizado. Pra quem pensou seriamante em ir pra Londres só pra ir a um show da figura... bom, na mesma semana veria o maravilhoso Everything but the girl, que sinceramente, é o único que me falta, já que o Ian Curtis (Joy Division) passou dessa pra melhor há 20 anos. De fato a geração 80 é uma privilegiada. Ainda com alguns (muitos!) anos de atraso, o Brasil entrou na rota do mainstream e pudemos ter o imenso prazer de conhecer estes mitos que fascinavam e atormentavam a nossa adolescência. Ainda que em alguns retornos fugazes as intenções muitas vezes não sejam as melhores (como foi o caso da turnê caça-níqueis do Sex Pistols em 95, Filthy Lucre Live), ainda assim sabemos o quão importante é guardar estes momentos vivos na retina e poder contar pros nossos filhos que pudemos vivenciar estes momentos.

Ainda que eles (bem, quase ninguém, é verdade) não dêem a mínima bola. Faz parte.

Frases:

Apologia ao suicídio: "To be finished will be a refief"
Crítica ácida: "There's too much caffeine in your bloodstream and a lack of real spice in your life"
Conquista infalível: "I will creep into your thoughts like a bad debt that you can't pay"
Descrença total no amor: "So sleep and dream of love, because it's the closest you will get to love"
Desencontros da vida: "The more you ignore me, the closer I get"
Eu só quero um xodó: "I am human and I need to be loved just like everybody else does"
Morte honrosa: "And if a double-decker bus kills the both of us... is such a heavenly way to die"
Não foi dessa vez: "Love is natural and real, but not for such as you and I, my love"
Ninguém me entende: "And I just can't explain, so I won't even try to"
Ninguém acredita em mim: "You'll never believe me so, why don't you find out for yourself?"
No mercado: "You're gonna need someone soon... and here I am"
Paixão platônica: "I've spend six years on your trail"
Perseguição: "There's too many people planning your downfall"
Profundo desleixo: "I would go out tonight, but I haven't got a stitch to wear"
Timidez: "I am the son and the heir of a shyness that is criminally vulgar"

Set List Rio de Janeiro:

THE BOY RACER - Uma pauleira pra começar muito bem o concerto.
ALMA MATTERS - Obra prima... sem comentários.
NOVEMBER SPAWNED A MONSTER - Ligeiramente mais lenta e cadenciada que o habitual, mas igualmente fantástica.
HAIRDRESSER ON FIRE - Esta também ficou mais lenta, grande interpretação do Moz.
OUIJA BOARD, OUIJA BOARD - A banda esteve muito bem nesta música, ao contrário da maioria do show.
THE MORE YOU IGNORE ME, THE CLOSER I GET - Levou o público ao delírio!
TROUBLE LOVES ME - Versão semi-acústica, eletrizante.
HALF A PERSON - Smiths. Preciso dizer mais algo? Acompanhada pela platéia em coro.
SPEEDWAY - Essa música é um desbunde. Fecha "Vauxhall and I" de maneira magistral.
A SWALLOW ON MY NECK - Pouco conhecida do público, não empolgou.
MEAT IS MURDER - Luzes vermelhas, sangue, uma morte sem motivo é assassinato... enfim, uma obra-prima!
BREAK UP THE FAMILY - "I'm in love for the last time", alterando a letra. Grande música.
I AM HATED FOR LOVING - O título diz tudo. Deliciosa.
IS IT REALLY SO STRANGE? - Mais Smiths, ovacionada. "I love you... and is it really so strange?". Ai que saudade do Johnny Marr...
BILLY BUDD - Rockão nota 10 !!!
NOW MY HEART IS FULL - Também semi-acústica, interpretação soberba de Moz. Essa música merecia um Oscar, Grammy, Premio Imprensa, sei lá.
TOMORROW - "Tell me, tell me that you love me !!!". Enfim, amanhã pode ser tarde demais. Essa fecha "Your Arsenal"... arrebenta!
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SHOPLIFTERS OF THE WORLD UNITE - No Brasil tudo acaba em pizza? Pois é, no show do Morrissey também. Inesquecível.

sábado, abril 01, 2000

A Chuva e a Saudade

Nunca imaginei que a chuva e a saudade pudessem ser tão parecidas. Na verdade, a semelhança entre as duas vem muito mais de uma constatação engendrada durante anos, proveniente de uma relação de amor e ódio, do que uma associação direta e impessoal.

"O prenúncio da aparição da chuva já causa uma sensação esquisita, algo próximo da indignação. Infelizmente, na maioria das vezes, a chuva vem sem avisar. E quando a chuva finalmente começa, é uma tristeza só. Uma letargia toma conta do corpo, e aquelas decisões mais enérgicas como ‘vou enfrentar a chuva!’, ou ‘vou me conformar com a chuva...’ ficam postergadas até um momento mais sensato. Que não tarda.

De estático passo a conformado. Sinto que a chuva pode nunca acabar e começo a imaginar formas de conviver com ela. ‘Aceitar sempre, render-se jamais’ é a única frase que aparece na minha mente. Porém, quando finalmente parecemos estar gostando da idéia de aceitar a chuva e tentar tirar dela o que há de bom, muitas vezes a chuva aperta e deixa o corpo frio, mais uma vez ávido por uma mudança de estado.

Enfrento a chuva. Respiro fundo e saio para a rua, onde a chuva inunda o meu corpo incontestavelmente. Depois de algum tempo, embriagado pela chuva, reconheço que "ter enfrentado fora o melhor remédio". O corpo fica quente, se anima, e finalmente revive. Pede por mais algumas gotas de chuva. Sem remorso de ter enfrentado a chuva, fico satisfeito por ter ido fundo e vivido a emoção de reconhecer que aquela depressão que se instalou não podia mesmo ser levada a sério e que a chuva merecia, no mínimo, respeito.

Enfim, após algum tempo, a chuva acaba, e lá no fundo, sinto que até tenho saudade da chuva!"

Bom, agora leia o texto entre aspas de novo e troque todas as palavras "chuva" por "saudade" e veja se continua fazendo sentido...

Agora faz mais sentido ainda???