terça-feira, dezembro 13, 2011

O Rio está ficando sério...

Tenho ido ao Rio. Tenho gostado muito do Rio. Mas ontem fiquei com a impressão de que o Rio está se levando a sério demais. Será que a euforia com a diminuição da violência (que é negada parcialmente pela galera que manda os relatos da Zona Norte), a enxurrada de jovens turistas estrangeiros (ao que me lembro isso não era nem um pouco comum na minha juventude), a modernidade chegando (bicicletas comunitárias com cem pontos de coleta ao largo da cidade é chique demais!), entre outros efeitos, estão criando uma horda de pessoas que estão confundindo a nossa necessidade irrefutável e tardia de exercitar cidadania em mais altos níveis por uma pretensa arrogância?

Não esperava muito do show da dupla norueguesa Kings of Convenience no Circo Voador. A banda atualiza o som de Simon & Garfunkel com leves pitadas de bossa nova. Usam bem o contraponto silêncio/barulho (mas bem diferente do Pixies, que faz barulho de verdade) e fazem um som intenso, apesar de minimalista (são somente dois violões ao vivo - mas que se bastam!). O evento veio cercado de uma aura de apreensão. O show anterior em São Paulo tinha causado polêmica pelas exigências um tanto insólitas da banda para um concerto de rock, pop ou qualquer coisa que o valha tocada por pessoas de cerca de 35 anos. "Proibir" o funcionamento do bar durante o show ou qualquer tipo de conversa durante as músicas estavam estre as "demandas" dos rapazes.

Neste aspecto, talvez o Circo não fosse o melhor palco para os caras - mas para este fim simplesmente continua sendo inevitalmente soberano, ainda mais tendo como coadjuvantes os Arcos e a Catedral. Adicionalmente, com o fechamento do Canecão e o crescente movimento do crowdfunding, a inexistência de opções viáveis na Zona Sul levou o Circo ao topo do pódio, infelizmente sem concorrentes. É verdade que a Lapa, também renascida nos últimos anos, reverberava sons diferentes que desviavam por diversas vezes nossa atenção aos dois violões da banda.

Entretanto, o público é que estava irreconhecível. Mais chato que a pretensa chatice da banda. Ao ponto de uma figura na minha frente ter pedido que eu fosse falar no bar quando eu comentava com a galera que um dos violões era de aço e o outro de nylon - nerdices básicas que adoçam os shows - e duas atrás de mim terem pedido pra eu deslocar a cabeça para que elas vissem o tal "gatinho moreno", porque o ruivo quase clone do Andy Dick devia estar gazelando demais pra despertar qualquer reação diferente de estranheza nas meninas.

Eu, que frequento shows há mais de 25 anos com assiduidade, nunca tinha visto uma coisa tão patética. Claro que, do meio do show pra frente, indignado, resolvemos "trollar" a menina e quando finalmente o tal moreno resolveu tocar uma bossa, em três segundos de dedilhado eu já tinha bingado "um cantinho, um violau" (sic), pra tomar mais um shhh na cara e um minuto após tomar outro, depois de dizer "não falei que era Corcovado"? Além do mais, tenho minhas dúvidas se metade daquela galera já tinha ouvido o Getz/Gilberto, de 1964. Cada um com o seu isolamento e a sua veneração individualista, tão adversas do comportamento típico do carioca. Sinceramente, concertos entram na categoria de eventos catárticos, compartilhadores, agregadores; tais como aquele clássico "abraço suado" em um torcedor desconhecido, depois do gol (muitas vezes suado) aos 33 do segundo tempo.

O fato é que toda esta preocupação acabou gerando uma grande cumplicidade entre o público e a dupla, que parecia extasiada com a platéia. Os refrões eram cantados em uníssono, bem como os corinhos. Os pedidos de silêncio (do imperativo "to hush", com tradução difícil no português e que no inglês lembra convenientemente sua onomatopéia), as coreografias de palmas trocando as semínimas pela semibreve (intencionalmente aumentando as pausas entre os tempos para reforçar o silêncio) e os estalos de dedos ao invés das palmas ("snaps instead of claps" - no inglês parecem irmãos) foram de fato fundamentais ajudando a criar o clima intimista que a banda queria (e que o próprio público parecia querer muito também!).

A banda da cidade portuária de Bergen ganhou mais um fã. Assim como o Rio, que resgatou aquele que quase tinha perdido há alguns anos...