quarta-feira, janeiro 19, 2005

Os álbuns que eu tive... [Parte 7]


Ira! - Psicoacústica (1988)
Comprei o cassete em 1988 nas Lojas Brasileiras do Rio Sul
Que som alternativo é esse? Logo o Ira!, uma banda consagrada dos anos 80? Explica isso melhor...!!! Não uma "banda" alternativa, mas um "disco" alternativo, que não teve os louros de um "Vivendo e não aprendendo" (86), mas foi tão bom ou melhor do que o grande sucesso da carreira do Ira!... Lançado em 88, Psicoacústica surpreendeu pela sua inovação estética (quem não se lembra dos óculos 3D encartados no vinil e os grandes efeitos que se tinha ao visualizar a capa super psicodélica... quem comprou o K7, como eu, ganhava uma faixa a mais, mas acabava tendo que ir na casa dos amigos para "sacar" a capa...) e pela fusão de elementos percussivos e rap com o rock básico, onde o vocalista Nasi e o baterista Andre flertaram ainda durante um bom tempo, inclusive participando de discos de rappers como Thaíde & DJ Hum.

Rubro Zorro abre o álbum com ecos de vozes quase inaudíveis, porém irascíveis; a guitarra raivosa, o banjo e a craviola quase barrocos de Edgard já sobressaem desde os primeiros acordes e a cozinha segura o tranco, enquanto o vocalista exalta a necessidade do herói: "No asfalto quente, o crime é o que arde/Bandidos estão vindo de toda parte"; e a pancada continua: "É na cabeça... seu poder racional...". Passamos a ouvir, logo após, um coral "gospel", provavelmente uma referência explícita das missas, instituições das Manhãs de Domingo, quando abruptamente, voilà: rock ! A distorção quase psicodélica das guitarras, a letra descritiva, a agitação (contida) reflete bem o que são estas manhãs: "Sua cabeça está noutro lugar/Parece que realmente a noite valeu a pena"... Poder, Sorriso, Fama vem com uma levada mais calma, mas não menos empolgante, com uma batida bem cadenciada. Um clássico: Receita para se fazer um herói... Edgard novalmente prima pela sua sutileza nas cordas, o arranjo primoroso da cama de instrumentos, incluindo os sopros que antecedem um final triunfante; as palavras ditas por Nasi mereceriam um capítulo à parte: "Pega-se um homem, feito de nada, como nós... serve-se morto". Não pague pra ver (ao vivo), lembra a primeira fase do Ira!, mais básica, mas pungente e empolgante. A captura destes momentos únicos (afinal, os shows do Ira! eram memoráveis) sempre foi extremamente bem-vinda e felizmente, bem capitalizada pela banda. Ouvir "A sensação de ver meu corpo entrando no seu/Agora quero matar saudade/Moça, não pague pra ver" é quase sentir os holofotes do palco... Pegue essa arma, uma aula de baixo (grande Gaspa), percussão (fala, Jung!), o Edgard crava um solo indescritível (afinal, normal...) além de duelar no vocal com Nasi... e como em Rubro Zorro, ouvimos quase gritos, ecos: "O terceiro mundo vai explodir/Quem tiver de sapato não sobra". Uma intensidade sonora como pano de fundo para uma letra que retrata o título; situações de opressão, medo... Deleite-se! Farto do Rock'n'Roll é quase uma grande brincadeira, um riff magnífico (rockeiro, claro...) e a intenção de fundir ritmos, insatisfação com o 4x4 e o baixo-bateria-guitarra, a certeza de que o mesmo Rock'n'Roll é o caminho... andando em voltas: "Eu fico tentando me satisfazer/Com outros sons, outras batidas, outras pulsações... Então eu faço como os outros e vou assistir ao show", fantástica... Um pandeiro, um berimbau? Advogado do Diabo é uma puta sacação... o baixo quase sombrio, Scandurra solando magistralmente, a percussão segura a onda "jongo" da música e Nasi detona em um slow Rap: "Atire a pedra no pequeno/Mas um dia você vai se queimar". Mesmo Distante reafirma a veia romântica do Ira!, porém lembrando as viagens dos Beatles/Mutantes; muitos efeitos, distorções, microfonias, um vocal grave e quase rouco, violões de aço, um trabalho percussivo criativo, clima de fechamento...
Leia também uma ótima crítica sobre este álbum no ótimo site SenhorF

Leo Jaime - Vida Difícil (1986)
Comprei o cassete em 1987 na Sears da Praia de Botafogo
"Um disco comportado do Leo Jaime", foi o que ouvi de alguém naquele verão de 87 sobre "Vida Difícil", mas uma leve audição mostrava que ele era muito mais do que isso... É claro que se não houvessem alguns escrachos regulamentares, não seria o Leo Jaime, mas chamaria de sedimentação (bem diferente de "amadurecimento"...) o que esse álbum trouxe. As influências estão claras, mas os samples funcionam todos quase que como homenagens aos originais.

Nada mudou é a primeira canção do álbum, trilha sonora perfeita para um passeio numa tarde de domingo, a letra quase visionária que continua atual depois de quase 12 anos !!! "Crianças pedem na janela do carro até nas noites de Natal", crítica ferina do cotidiano e um big solo do homônimo Gandelman. O requinte dos arranjos continua em Briga, um rockão com o auxílio luxuoso dos Paralamas, Liminha e Nico Resende, grande letra dizendo que "Você podia ser um grande romance/Eu te dei muita chance/Você nem quis tentar", solo 10 de Herbert e um final apoteótico: "Eu tenho raiva, oh yeah !". Contos de fada tem um ligeiro clima soul, com muitos metais e teclado, um Pop setentista com um texto quase dramático: "Até que um dia eu pude descobrir/Que eu não nasci pra ser a sua fantasia" enquanto Prisioneiro do futuro retoma o clima Rock do álbum (novamente trazendo alguns Paralamas), muito embora os solos de sax tendam mais para o Jazz (Sting em Bring on the Night?), Leo canta de maneira cool: "Tudo tem dentro de si o seu contrário/O ódio veio da fraternidade". Amor também traz um clima Soul (Porque não?), uma letra "leve" (não confundir com brega): "E a chama do amor/A todo mundo/A toda hora/Em você e em mim" e um arranjo com o charme habitual de Hyldon ou Cassiano, autor da próxima faixa, A Lua e Eu; Leo tem essa habilidade (como poucos) de transformar com sutileza músicas de outros autores em versões quase sempre superiores às originais.

Os bonitos solos de violão de Sérgio Serra (ex-Ultraje) deixam a melodia ainda mais requintada. Sem futuro tem uma levada bem Santana, porém muito melhor e com muito mais suingue e punch, enquanto a letra pessimista declama: "Alguém fabrica as bombas e os decretos/Depois consegue dormir" e a faixa seguinte comprova o que já foi dito; Mensagem de amor, de Herbert Vianna (com a canja do próprio), fica ainda melhor que a original, com Leo Gandelman mais uma vez arrasando no bom gosto dos solos, além do arranjo sublime. Vida difícil vem com um clima intimista, apesar da Big Band com muitos metais, e um arranjo meio Bluesy, meio down, apesar de já começar a mostrar as características marcantes de Leo, até então muito sutis, começando pelo humor negro: "Acordo assustado, caindo da cama/Eu olho pro lado e a minha namorada sumiu", continuando em Um telefone é muito pouco, melodia com uma levada quase caribenha (com um bongô e um surdão marcando o ritmo). Fechando o disco, Cobra venenosa é um escracho total, escrita e cantada em parceria com um dos miquinhos, Selvagem Big Abreu (afinal, Leo foi um deles um dia); uma marchinha muito bem humorada com as já esperadas expressões de duplo sentido: "Eu sou uma cobra venenosa/Que pica, que pica/E tenho dois dentinhos afiados/Que picam, que picam", deixando claro ao ouvinte que Leo não é tão fácil assim de ser definido ou rotulado...

Finis Africæ - Finis Africæ (1987)
Comprei o cassete em 1987 numa loja no início da Rua das Laranjeiras
Uma banda realmente estranha... Veio do "boom" de bandas novas de Brasília, todas aparentemente parecidas, mas com sutis diferenças. De todas, foi a única que utilizou elementos de samba -através de sacações geniais, diga-se de passagem. Foram estas mesmas "sutis" diferenças que tornaram a banda pouco "digerível" pelo público e crítica: a mistura entre o pós-punk e o funk (neste ítem, herdeiros do Clash); as letras muito abstratas (característica das mesmas bandas pós-punk) e uma certa ingenuidade no trato com o show-biz. Começaram com duas faixas na coletânea "Rumores", arrancando elogios da crítica do eixo Rio-São Paulo. Depois, o amadurecimento prosseguiu através da entrada de Eduardo de Moraes nos vocais e o lançamento de um EP independente, lançado pela Sebo do Disco, que foi o trampolim para a EMI-Odeon, onde gravaram seu único LP, produzido por Mayrton Bahia (Legião Urbana, entre outros).

Abrindo com Deus Ateu, tem-se um trumpete gritando, um baixo estalando e a voz de Eduardo clamando: "Deus deve ser ateu/Ou então ele está morto/Ou então se esqueceu/De orar pelo teu corpo". O final apoteótico contempla um festival de agogôs, tamborins, ganzás, cuícas e repiniques, fundindo o funk ao samba de maneira magistral, enquanto Ronaldo comanda a orquestra com um apito gutural. Segue-se Vícios, grande baixo (ecos de Peter Hook?), super letra: "Caindo no abismo/Entendendo essa vida de vícios que me fazem pensar em você" e uma cuíca chorando. Vem Chiclete, explicando o quão tediosa pode ser a sua vida e então, o êxtase: Mentiras, abusando da fórmula mágica: Neto debulhando seu baixo; palavras profundas: "Você não vai destruir os meus planos/Tudo o que sonhamos não importa mais/Escondemos o medo pra sobreviver/Mais um dia ou um ano, o tempo nada faz", interpretação contundente do "crooner" que sempre me faz ensaiar algumas lágrimas... A última do lado A continua sedimentando o estilo depressivo da banda. Depois, Ask the Dust, seguramente uma das melhores do disco. A voz rouca de Eduardo diz que "Roubaram as flores do meu reino/Roseiros murcharam no jardim/As dores aumentam no meu peito/Teus olhos são tão cruéis pra mim", enquanto Neto estraçalha no baixo, sempre criativo, inventivo e contagiante. Ronaldo segurando a marcação com muita categoria e emendando com Deserto, clima deprê: "Tenho medo de te ouvir/Você vem me contar/Teus amores me fazem rir/E por dentro desabar". O grande hit do disco, Armadilha, uma guitarrinha "cool" e atabaques em contraponto à bateria, dando um tom incomum à música, que é atropelada por Máquinas, outra maravilhosa melodia, grande clima, teclado pontuando pérolas: "Nosso suor se misturou demais/Em pensamentos indefesos". Círculos começa quieta e vai, aos poucos, se enraivescendo, baixo nervoso, vocal gritado, bateria forte, guitarra pungente, teclado obscuro: "Vivendo em círculos circuncêntricos/Círculos excêntricos/Palhaços, prostitutas, putas/Passam pelas ruas" e Inferno, um funk introspectivo, fecha o álbum com a categoria peculiar: "Estamos sós e nos distanciamos/Esperando um futuro que não acreditamos/Construímos um muro através do tempo".

Crônicas escritas originalmente em 98, com exceção da última, escrita em 89.

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