quinta-feira, abril 20, 2006

Carmem Miranda Reloaded contra o Samba-Caos do Vzyadoq Moe

Não há como negar que Marisa é altamente empreendedora. A elaboração de um dos seus mais novos álbuns somente vem ratificar este fato, ao passo que parece ter saído de uma das linhas de produção da sua "empresa", obviamente atendendo aos seus altíssimos padrões de qualidade. Entretanto, a revelação dos meandres desta criação foi evitada a todo custo pela assessoria de imprensa da Marisa Monte Produções (MMP), inclusive com ameaças de várias sortes ao autor deste relato. Porém, a necessidade da divulgação do relato sobre o processo, inclusive com detalhes sobre a estrutura organizacional da "holding" de Marisa, que surpreendentemente traz algumas das mais conhecidas ferramentas de gestão empresarial, parecia urgente, visto que a equivocada e repetida categorização dos seus produtos como contenedores de uma pretensa aura de originalidade e não menos importante, modernidade, não deve persistir mais nem um instante.

Tudo começou com um "briefing" que foi entregue à área de Marketing da MMP pela presidente da "holding", a própria Marisa Monte, sobre um dos novos projetos que deveriam acontecer ao longo de 2005. Transcrevendo palavras da própria Marisa, cito uma frase que revela-se seminal no entendimento da questão: "O produto deve agradar a gregos, troianos, sérvios e montenegros - aliás, principalmente os Monte e os negros - visando consolidar a minha posição de diva da música brasileira e pavimentar o meu trajeto ao mercado externo de modo triunfal".

A área de Marketing teve bastante trabalho para desenvolver o produto a partir do "briefing" da presidente. Foram muitas noites em claro envolvendo análises de dados de vendas de CDs/DVDs, pesquisas exaustivas com consumidores, reuniões com agências de propaganda e publicidade para finalmente chegar ao produto que catapultaria Marisa ao estrelato mundial.

A descrição do produto que foi entregue à área de Pesquisa e Desenvolvimento da MMP foi a seguinte: "Um disco contido somente com sambas de raiz, porém com caules emblemáticos e icônicos visando dar sustentação, além de folhas de aromas solenes e nobres, entretanto acompanhadas de frutos modernos modificados geneticamente trazendo sabores inusitados e refrescantes".

O chefe do laboratório de P&D, Sr. Dexter, coordenou a alquimia que levaria ao produto final. Muito aplicado, conhecia Marisa há muito tempo e sabia de antemão que o produto deveria trazer ingredientes riquíssimos, porém nunca deixando de ter várias notas de dejá-vu - e essa é a maior das tônicas dos produtos da MMP - visando cativar o consumidor a partir de um estágio posterior na identificação das referências do produto, onde a etapa da estranheza - natural em todas as novidades genuínas - é postergada em prol da acelerada massificação dos produtos.

Nasce então, "Universo Ao Meu Redor". Revelada a receita, é fácil entender como foi fabricado o produto e verificar que trata-se de um embuste, ainda que pretensamente camuflado com elementos pretensamente inovadores e criativos. A primeira matéria-prima a entrar no processo foi o ícone da brasilidade reconhecidamente vencedor no mercado externo, Carmem Miranda. Retiram-se os balangandãs, a voz de taquara rachada, a babação de ovo desmedida dos "states", a coreografia de pornochanchada. O Bando da Lua, a banda de apoio de também dança. Será substituído pelo primeiro ingrediente pretensamente moderno e quase homônimo, o DJ Marcelinho Da Lua. "Os ravers vão adorar quando colocarmos uma batida de funk no samba", dizia Dexter, continuando a relatar o processo, eufórico: "Precisávamos de mais novidades, aí pensei: que tal colocarmos pitadas de instrumentos inusitados ao samba como tubas, cellos e theremins? Vai ficar muito chique e o Zeca nunca teria pensado nisso!".

Uma pitada de descuido da segurança da MMP fez com que a irmã mais nova do Sr. Dexter, Didi, fosse ao laboratório - como era de costume - e começasse a mexer de maneira errática nos equipamentos até que fosse interpelada por um dos funcionários do laboratório. Coincidência ou não, após este fato, a matriz do novo álbum de Marisa foi totalmente alterada, como se tivesse sido infectada por algum vírus que alterasse completamente todas as camadas sonoras, criando um produto novo e inusitado.

Por coincidência, ao visitar a MMP para escrever uma resenha sobre o making-of do disco, pude ouvir algumas das faixas "alteradas" e fiquei extasiado. O que foi gerado por obra do acaso (verdadeiro e não manipulado) parecia diferente, inquietante, contundente, angustiado, melancólico, fatalítico, confrontador, porém nada disso poderia ser esperado de Marisa. Ela entrou em pânico quando viu parte de suas criações mutiladas e mesmo que seu susto não tivesse sido fatal devido ao fato de que a área de TI da MMP tinha disponível o back-up das gravações originais, ordenou que Dexter destruísse as matrizes infectadas pelo vírus.

Enfim, a versão "virótica" provavelmente nunca será de domínio público e é uma pena que sejamos privados de conhecer a Marisa Errática, mas aqui cabe fazer uma analogia, e o som mais próximo que poderemos reproduzir para retratar, ainda que em pequenas nuances, aquela obra do fim do mundo é o samba-caos "Redenção", do Vzyadoq Moe, banda sorocabana do final da década de 80 que misturou Jackson do Pandeiro com Clarice Lispector, passando pelo Joy Division e pelo Dadaísmo.

Os responsáveis pelo desenvolvimento do vírus que infectou o Pro Tools da MMP até agora não foram descobertos. Que não sejam jamais e consigam inocular o mais rápido possível a Zélia Duncan e a Ana Carolina!